Marco temporal permite garimpo em terra indígena e contato com povos isolados; entenda os impactos

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Câmara aprovou proposta de lei que altera a demarcação de terras indígenas e flexibiliza outros direitos dos povos originários. Projeto agora vai para o Senado.

Um dos principais pontos do projeto é a instituição do chamado “marco temporal”, que estabelece que territórios só podem ser demarcados caso seja comprovado que já eram ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Essa não é, no entanto, a única alteração prevista no texto, que tramita há 16 anos no Congresso Nacional e já teve mais de 10 outras propostas anexadas ao projeto de lei original.

Entre outras mudanças estão:

  • a autorização para garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas;
  • a flexibilização da política de não-contato de povos em isolamento voluntário;
  • e a possibilidade de realização de empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados.

“Sempre que se fala desse projeto, se coloca só a questão do marco temporal, mas esse PL [Projeto de Lei] é muito nocivo aos povos indígenas. São uma série de direitos que seriam vilipendiados”, afirmou ao g1 Mauricio Terena, advogado e coordenador jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, principal referência no movimento indígena).

Na semana passada, os deputados aprovaram o regime de urgência para a tramitação da proposta, possibilitando que ela fosse direto à votação em Plenário, sem passar pelas comissões temáticas da casa. Aprovado pela maioria dos deputados, o projeto agora segue para análise do Senado.

Todas as principais associações do movimento indígena se colocam frontalmente contra a proposta, considerada uma das principais ameaças aos direitos indígenas.

Já a Frente Parlamentar da Agropecuária, que representa a bancada ruralista, apoia amplamente o texto. O presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu nesta terça o projeto, se valendo de dados imprecisos:

“Estamos falando de 0,2% da população brasileira em cima de 14% da área do país já. Só temos 20% da área agricultável para agricultura e pecuária, e 66% de floresta nativa. Precisamos tratar desse assunto com coragem em algum momento”, afirmou.

Em 2010, no último censo do IBGE, quase 900 mil pessoas se autodeclararam indígenas — praticamente 0,5% da população.

Levantamento do MapBiomas divulgado no ano passado mostrou que entre 1985 e 2021, a área ocupada pela agropecuária cresceu de 21% para 31% do território nacional. Além disso, apesar de restar 66% da vegetação nativa no país, boa parte dela já foi degradada ou está em regeneração — pelo menos 8,2% é de vegetação secundária (ou seja, áreas que já foram desmatadas pelo menos uma vez desde 1985).

O aumento do reconhecimento de terras indígenas também não prejudicou a atividade agrícola brasileira. Segundo o Instituto Socioambiental, entre 2000 e 2014, quando 137 terras indígenas foram completamente demarcadas e outras 141 estavam em processo de demarcação, a produtividade agrícola aumentou 41%.

De fato, as terras indígenas equivalem a quase 14% do território nacional e são os territórios em que a natureza permanece mais protegida.

De acordo com o MapBiomas, as áreas privadas responderam por 68% de toda a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos 30 anos — já as terras indígenas respondem por menos de 2% dessa perda.

Segundo a ONU, os territórios indígenas na América Latina, incluindo no Brasil, armazenam mais carbono — principal gás do efeito estufa, que vem levando ao aquecimento acelerado do Planeta — do que todas as florestas da Indonésia e do Congo (os dois países com mais florestas tropicais depois do Brasil).

“Falar sobre as terras indígenas, o marco temporal e esse projeto de lei é falar sobre política climática. As terras indígenas são um importante aditivo no combate às mudanças climáticas”, diz Mauricio Terena.

Fonte: G1

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